sexta-feira, 31 de julho de 2009

DEFESA de FAB 2068 – HISTÓRIA DA AMAZÔNIA

por Luiz Margarido – autor do documentário

 

Ação Cível 2009.42.00.000288-9 movida pelo Conselho Indígena de Roraima

1ª Vara Federal de Roraima – junho 2009

 

 

Manaus, 12 de junho de 2009.

 

 

FAB 2068 – HISTÓRIA DA AMAZÔNIA, é um longa-metragem registrado na ANCINE – Agencia Nacional de Cinema sob nº 08009319, roteirizado, produzido e dirigido inteiramente por mim em 5 Estados do Brasil, e que contou com pequeno incentivo da Prefeitura de Manaus através do PPGI Audiovisual da Fundação Vila Lobos, fato pelo qual a logomarca da prefeitura é mostrada ao fim como agradecimento e prestação de contas (da minha parte) aos contribuintes. A Prefeitura de Manaus forneceu incentivo cultural para a primeira parte da história: o acidente aéreo com o C-47 que deu margem a se criar “O Dia Nacional da Busca e Salvamento no Brasil”, 26 de junho, dia da avant premiére de FAB 2068 no plenário da Assembléia Legislativa de Roraima.

Uma história de dedicação à Pátria, de solidariedade e de união de esforços entre brasileiros: índios, caboclos, ribeirinhos, nordestinos, mato-grossenses, amazonenses, paraenses...  e cariocas, unidos e coesos levando ajuda aos compatriotas nos confins da Amazônia. Uma história de heróis. Heróis Brasileiros. 

Primeiramente, gostaria de registrar que me sinto prejudicado pela perícia realizada em minha obra. Permita-me chamar de obra, já que longa-metragem é formato de cinema, a 7ª arte.

Durante o processo de demarcação e de homologação da Raposa Serra do Sol, a maioria dos antropólogos (e seus pareceres) apoiou as ações e o modelo defendido pelo CIR – Conselho Indígena de Roraima, rebatendo qualquer questionamento contrário levantado pelas outras 6 organizações indígenas, pela totalidade dos produtores rurais, pelas Prefeituras Municipais, pelo Governo de Roraima e por Deputados e Senadores. Com FAB 2068 não seria diferente.

Já saio condenado e, o embasamento de quem me aciona, ratificado oficialmente. É injusto. 

Permita-me expor minha obra, já que o contexto da história em si não despertou o interesse do perito e nem do procurador da república, que se ativeram a fragmentos para embasar a ação do CIR, fato explicitado nas expressões debochadas e maldosas usadas ao pretender desqualificar meus entrevistados: o General Cláudio Figueiredo (“...se arvora conhecedor da “cultura” Ianomami...”) e o agrônomo Paulo César Quartiero (“...invasor de terra indígena...”). A mesma linguagem do CIR.

Minha formação de repórter me impõe ouvir as diversas partes envolvidas e buscar fontes fidedignas para comunicar o fato. 

FAB 2068 é uma história de brasileiros, inclusive daqueles rotulados “não-índios”, termo inventado e racista. Começa com a contextualização do acidente com o avião militar C-47, prefixo FAB 2068, que levava uma tropa federal, em missão de Segurança Nacional, para atender uma “movimentação de brancos e índios” no Pará, em 1967.

Os jornais da época citam índios Caiapós, a mesma etnia que, recentemente, cortou com facão o Engenheiro da Eletronorte durante evento oficial, também no Pará. (anexo 1)

O Presidente da Eletronorte já foi agredido, pela mesma etnia, naquele Estado. 

A intenção do documentário é mostrar o turbulento e desordenado processo de ocupação da Amazônia partindo do acidente com o C-47 (época do Governo Militar), as forças envolvidas e seus reflexos para a Nação Brasileira.  

Para tal, procurei o General Cláudio Figueiredo que comandara as Forças Armadas em 9 Estados da Amazônia por 3 anos, havia sido ajudante de ordem do Presidente Costa e Silva (presidente na época da queda o C-47) e responsável pelas fronteiras na década de 80.

Entrevistei-o em Manaus após passar o comando do CMA – Comando Militar da Amazônia. 

Procurei, também, o superintendente do IBAMA/AM e sociólogos de duas Universidades de renome: UFAM e UNB. O sociólogo da UFAM abordou a movimentação e os conflitos sociais, particularmente, os agrários. O sociólogo da UNB, que retornava de uma especialização na Inglaterra sobre Bioprospecção, abordou o que isto tem a ver com a Amazônia, seus habitantes, as forças envolvidas no processo e a desinformação dos brasileiros a respeito do tema. 

Após detalhes e personagens daquela que foi uma das maiores buscas aéreas da América Latina com sobreviventes e diário, mostro um recorte de jornal da época (a notícia dava conta de que a emergência que deu início à missão do 2068 havia sido sanada e citava os caiapós) e questiono: “Mas será que o problema foi mesmo resolvido?” 

E tem início a segunda parte da história. Através de manchetes de jornais, documentos e depoimentos, relato fatos e conflitos da ocupação da Amazônia desembocando nos atuais acontecimentos da Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde a tropa federal, a exemplo da embarcada no FAB 2068, atende “movimentação de brancos e índios”.

 Decidi usar a Raposa Serra do Sol de forma ilustrativa por 3 razões:

 1 – porque o conflito estava em evidência na mídia nacional e internacional;

2 – por estar próximo (moro no Amazonas);

3 – A região foi pleiteada (junto com o Pirara) pela Inglaterra em 1904. Naquela época, Joaquim Nabuco conseguiu manter brasileira a área da Raposa Serra do Sol. Após perder a região do Pirara, o Brasil se calou. A Venezuela ainda considera em disputa a área que perdeu, na mesma época, para os Ingleses. Interessei-me pelo tema histórico e pela relação de fatos passados e atuais. 

Gostaria de frisar que antes de iniciar a pesquisa não conhecia nenhuma das partes envolvidas no conflito e que não tenho vínculos profissionais ou comerciais com pessoas, empresas, ou políticos de Roraima. Exceto a comercialização de FAB 2068 nas bancas. 

Como investi meus próprios recursos (ao longo de 4 anos) na produção desta história, necessito vender o produto do meu trabalho para sobreviver, visto que ele não foi projetado para exibição em veículo de comunicação de massa. É uma mídia digital lacrada vendida em bancas. Unicamente em bancas.

 No site do Governo Federal (e da FUNAI), busquei dados sobre o convênio assinado com a Alemanha, o Banco Mundial e a KFW para demarcação de terras indígenas no Brasil.

FAB 2068 mostra esta página do site. (anexo2)

 Fui diversas vezes a Roraima coletar informações e depoimentos, e sempre me identifiquei como profissional do Amazonas que estava gravando um documentário sobre a Amazônia: conflitos agrários, fronteiras, minérios e os brasileiros que moram ali. 

Por trabalhar quase uma década como repórter da Rede Amazônica de Rádio e Televisão (anexos 3 e 4) cobrindo o norte do País, e respaldado no fato das autoridades não terem dado continuidade ao Zoneamento Econômico Ecológico iniciado no RADAM (que deveria passar da escala de 1 milhão para 100 mil - complementado, neste ponto, pela fala do Superintendente do IBAMA/AM) afirmei o que segue:

 “E a cobiçada Amazônia permanece sem política agrária,

Colonos assentados pelo INCRA, aterrorizados pelo IBAMA, removidos pela FUNAI e POLÍCIA FEDERAL, que voltam a depender do INCRA para serem reassentados. Caso de Antônio Moreira Silva mostrado em FAB 2068

 sem Plano de Desenvolvimento Nacional,

(Não há ação integrada ou plano conjunto para os 9 Estados da Amazônia Brasileira. A forma como o processo da Raposa Serra do Sol foi conduzido trouxe restrições à economia de Roraima, à população do Estado e à maioria indígena de lá. E isto acontece em diversos Estados da Amazônia: Pará, Mato Grosso, Amazonas...)

 e sem ministério para coordenar o progresso na metade mais valiosa e promissora do País,

(Não há Ministério da Amazônia e não se sabe o que os Governos Federais ou Estaduais querem com a Amazônia para daqui 30 ou 40 anos. INCRA de um Ministério, FUNAI e PF de outro Ministério, IBAMA de outro Ministério)

 ficando exposta a interesses diversos e pressões de diversas organizações.”

(A imprensa foi meu parâmetro: conflitos agrários – MST/Índios – grilagens, desmatamentos, descaminhos, acordos ilícitos, CPI da FUNAI, CPI das ONGS, denúncias de corrupção na SUDAM, declarações de chefes de Estado e de ONGS na mídia internacional, como mostro ao falar)

 Leva vantagem quem tem mais mídia, lobby, poder econômico ou político, organização, mobilização, opinião pública favorável, parceria com veículos de comunicação...

E o Povo Brasileiro? O que ganha ou perde com isso? 

Pensei ser um bom exemplo para ilustrar a história que contava.

Nasci no Rio de Janeiro e fui educado em São Paulo. Vim para o Amazonas em 1975, aos 14 anos. Cresci em veículo de comunicação de massa observando que a maioria dos brasileiros é mal informada sobre a Amazônia, suas riquezas e suas fragilidades.

 Na qualidade de comunicador social e produtor audiovisual (registro ANCINE nº 14382), pretendi fazer um retrospecto visando despertar o interesse do brasileiro pela região, pelo seu potencial e pelo que ela representa para o futuro dos próprios brasileiros.

E o brasileiro é o elemento que permeia minha obra, como mostro nas frases: 

“...brasileiros se dedicavam a salvar outros brasileiros, a todo custo na Amazônia...;

“...brasileiros saqueavam a Nação grilando enormes áreas da Amazônia, e tratavam brasileiros sem compaixão, sem dignidade e sem respeito”.

 Não faço distinção entre latifundiários, índios, colonos, negros ou guerrilheiros.

Apenas Brasileiros, meu povo, que habita um País rico, que há décadas vive conflitos agrários fomentados, mal administrados e mal divulgados. (anexo 5 a 9)

E que poderia ter uma vida melhor se o potencial do nosso País fosse utilizado em benefício de todos os brasileiros, invés de grupos ou associações que defendem interesses próprios colocando a Nação Brasileira e a totalidade do seu povo em segundo plano. Reforço isto na frase:

 “A nossa Amazônia é uma conquista dos antepassados herdada por todos do Brasil, não por grupos isolados. E pode te dar uma vida melhor agora.” E cito exemplos.

 Ressalto a importância da Amazônia para todos os brasileiros (índios inclusos).

Nas vezes que falo “brasileiros rotulados índios” ou “brasileiros rotulados não-índios” procuro ressaltar o fator desagregador, discriminatório e mesquinho que está sendo incutido no meu País, no meu povo. Sou brasileiro descendente de índio, de negro e de europeu, e aprendi no colégio, e na igreja, que somos todos iguais. Aprendi nos Princípios Fundamentais da Constituição de 88 que nosso objetivo é construir UMA sociedade livre, justa e solidária.

Não foi o que encontrei em Roraima.

 E fui consultar lideranças indígenas da Raposa Serra do Sol para entender porque índios brigavam contra índios. Entender porque muitos queriam a demarcação em ilhas e poucos queriam a demarcação contínua. Entender porque brasileiros eram considerados intrusos dentro do Brasil.

Como brasileiro, entender as vantagens e as conseqüências, e comunicar ao meu povo.

 Estive com o Coordenador do CIR – Conselho Indígena de Roraima, Dionito Souza, que não quis gravar entrevista, mas o vídeo (anexo 10) registra minha ida ao gabinete dele.

Dirigi-me, então, à maloca Maturuca na Raposa Serra do Sol, para ouvir Jaci Souza, irmão do Coordenador do CIR, outro defensor (constantemente na mídia) da demarcação contínua. Além de não querer falar sobre o assunto, ele pediu que eu me retirasse de lá. Fui seguido por dois homens (numa moto) que ameaçavam tomar meu equipamento. Tal fato foi presenciado por Idaiel Lima (anexo 11) do CEIKAC, Macuxi do Contão, meu guia e morador da Raposa Serra do Sol, que estava ao meu lado no veículo.

 Levando em conta que as opiniões e as ações do CIR, Dionito e Jaci estavam mais que documentadas nos artigos de jornais catalogados na Biblioteca Pública de Roraima (anexos 12 a 20), fui registrar o que Jonas Marcolino (líderança Macuxi) expôs sobre a demarcação em ilhas, reivindicação das outras 6 organizações indígenas da Raposa Serra do Sol.

Registrar o conflito e seus personagens.

 E baseei meu roteiro na narrativa de pessoa credenciada pela maioria dos indígenas da região, fato comprovado, no momento seguinte, pela nomeação de Jonas Marcolino para Secretário de Estado do Índio, atual responsável pelas políticas públicas para todos os indígenas de Roraima.

Em sua primeira fala, ele afirma:

 “Qualquer um que queira preservar, qualquer antropólogo, qualquer político, qualquer governo que queira preservar o indígena lá porque assim ele estará vivendo feliz, isso não é verdade.

Eles não estão felizes. Eles estão sofrendo e sofrendo tanto, mas não tem condições mínimas de chegar junto ao estado, junto ao governo e reivindicar apoio para lá.

E muitos não querem que o Estado dê apoio realmente.”

 Vindo de uma liderança indígena reconhecida nacionalmente (constatei que Jonas Marcolino há seis anos viaja pelo Brasil – a convite – para expor a questão indígena de Roraima), considerei grave a denúncia. Expressões comuns como “desfazendo em merda” (termo corriqueiro no Rio de Janeiro) ou “zoológico humano”, não tem nada a ver com “perpetuar cultura de humilhação e desprezo aos índios”, como afirma o procurador da república. Tem a ver com a gravidade da denúncia. Introduzem e ressaltam tópicos tratados, imediatamente a seguir, por Jonas Marcolino:

 “Nossos irmãos Ianomamis, por exemplo, eles têm uma imensa reserva, mas o estado de saúde é pior que o dos Macuxis. Mas esse estado pior, esse estado de saúde ruim que eles enfrentam, essa crise na saúde, porque eu posso considerar crise, porque todos eles são portadores de muitas doenças, principalmente malária, tuberculose, hepatite e todo tipo de verminose aí das mais variadas (desfazendo em merda – diarréia/desinteira/doentes – como mostram as manchetes que acompanham  a expressão), então a gente vê que esse estado deles não vai garantir e não garante. O isolamento deles não garante, muito pelo contrário, a gente só vê eles cada vez mais fragilizados. Até porque eles não estão lá vivendo a maneira deles. Sempre têm políticas indigenistas conduzindo isso aí, essa é a questão. E eu vejo que essa condução, esse estado, como acabei de dizer,  é condicionado, é imposta e não que eles gostariam de viver.” (zoológico humano - pessoas confinadas, vivendo de forma precária, manipuladas e isoladas do resto da sociedade)

 Foi o que entendi da fala dele. Gente sem voz, como a maioria dos índios de Roraima que queria demarcação em ilhas, mas foi obrigada a aceitar a inclusão em terra contínua, se afastando de parentes e amigos, privadas da atividade econômica que exerciam e submetida à convivência com o grupo contrário que, conforme o noticiário local, age de forma violenta (anexos 21 a 24).

(Em terra indígena não tem polícia. Querem criar milícias – subordinadas a quem? Qual critério de ação?)

 Ou os “não-índios”, que também não tiveram voz ou escolha, e foram, impiedosamente, expulsos de seus lares, sem terem recebido indenização, sem terem para onde ir, conforme documentos, imagens e depoimentos (índios, “não-índios” e produtores rurais) colhidos por mim durante diversas fases do processo de “desintrusão”, inclusive nas audiências e visitas do Desembargador Jirair Meguerian ao interior da reserva no prazo final decretado pelo Ministro Ayres Brito. (anexos 25 a 31)

 Quantos brasileiros descendentes de índios estão sendo expulsos das próprias terras indígenas onde nasceram? Quantas pessoas (índios, “não-índios”, colonos) foram coagidas e injustiçadas durante o controverso processo da Raposa Serra do Sol? Quantas famílias estão sendo separadas nos Estados Amazônicos por causa do modelo e da forma como as demarcações têm ocorrido?

Por que a maioria dos índios não foi atendida? Quanto meu País gasta ou perde com tudo isso?

 FAB 2068 pretendeu despertar estas questões na cabeça do brasileiro, do meu povo, para que ele se posicione sobre os acontecimentos, de forma a se integrar às questões amazônicas, já que “..como a maioria fica rezando e  vendo novela, tudo vai sendo tocado politicamente...”. Fala minha.

Uso esta expressão após mostrar texto manuscrito de Samuel Benchimol, professor da UFAM (reconhecidamente um estudioso/defensor da Amazônia e seu povo) onde expressa sua preocupação com o rumo dos acontecimentos em 1992, ano da ECO 92, da homologação Ianomâmi e do grupo de trabalho que “formatou” a Raposa Serra do Sol. Em 2005, uma Perícia Federal mostrou em audiência pública, no Congresso Nacional, como foi esta “formatação”. Em 2009, o ministro Marco Aurélio falou para todo o Brasil, ao vivo, como foi esta “formatação”. FAB 2068 mostrou a Perícia Federal antecipando o que o Ministro Marco Aurélio falaria nove meses depois.

O temor do professor Benchimol tinha fundamento.

O sociólogo da UNB atualiza este temor, fazendo a relação entre as pressões de entidades “ambientalistas/indígenistas” e a Bioprospecção:

 “Tem a ver tudo com a Amazônia. Bioprospecção quer dizer a investigação dos recursos biológicos disponíveis numa realidade, à procura do que os cientistas chamam de princípios ativos, à procura de determinadas informações úteis que estão naqueles recursos vegetais, na fauna ou na flora, para poder gerar produtos que possam ser elaborados em laboratórios, em instituições de pesquisas, como novas drogas, remédios, cura do câncer, cosméticos, solução para a despoluição de determinadas baias. Então é a investigação desses recursos na própria natureza para pegar esse elemento e levar ao laboratório para gerar novas drogas, novos produtos medicinais, agropecuários e etc, etc, etc.

Descobriu-se mais recentemente a importância de que o conhecimento desses recursos na natureza...um exemplo clássico: o que existe no veneno da jararaca para o controle da pressão arterial; o que existe na planta tal da Amazônia  para a solução de um problema relativo a uma infecção crônica; o que existe numa árvore para a elaboração de um novo doce, de uma nova maneira de conservar os alimentos.

Muitos desses conhecimentos já estão disponíveis no acervo e na história de muitos povos, e grandes indústrias descobriram que é importante negociar com esses povos. Porque se eu coloco um cientista num ambiente.. ele tem o seu conhecimento, claro, não vamos simplificar, mas há um outro conhecimento. E aquele outro conhecimento sabe às vezes coisas que o cientista não sabe.”

 A tese do sociólogo foi confirmada por mim, ao entrevistar o jurista Bernardo Cabral, que participou como Senador na CPI das ONGS, e alertou-me para uma faceta do trabalho humanitário desenvolvido nas áreas indígenas (anexo 32):

 “Conforme já houve uma Comissão Parlamentar de Inquérito que tramitou, ou não sei se tramita ainda no Senado Federal, eram várias as oportunidades que se punham a nossa frente mostrando que trabalhos era esse. Quais eram os trabalhos:

Pessoas travestidas de pastores evangélicos ou não sei qual outra comunidade religiosa, mas que levavam remédios, transitavam, que tinham aviões, transportavam índios, levavam kits em suas mochilas, retiravam... então houve, nessa área dos fármacos uma envasão lá em cima, sempre e aproveitando desse viés internacional para em dizendo que estão protegendo o índio, estão se aproveitando dele, em função do detrimento, em decorrência de que há, sem dúvida nenhuma falta de vontade política do órgão que cuida disso.” 

Na mesma entrevista, o jurista Bernardo Cabral, que já foi Ministro da Justiça (e teve sob sua alçada a questão indígena), me instiga a aprofundar a pesquisa em busca da verdade e da justiça.

Assim disse ele ao se referir à Raposa Serra do Sol (anexo 33): 

“Observe o que é que está acontecendo lá em cima agora. Neste instante aqui que nós estamos aqui discutindo, pensando alto, respondendo, você sabe que há uma ebulição lá em cima, de pessoas que estão há muitos anos lá vivendo, e vivendo fraternalmente com alguns segmentos indígenas, alguns que já são até amigos que não querem que saia da forma como estão querendo sair. A grande pergunta que eu faço, Luiz Margarido, é a seguinte: a quem aproveita isso?”

 A imprensa não se interessou pela Raposa Serra do Sol e nem pelo voto-vista do Ministro Marco Aurélio, como se interessou por Isabela, um dos casos que acompanhamos o dia inteiro, 50 dias na mídia. Mídia que tem dado “espaço privilegiado” a organizações indígenas que não representam a maioria dos brasileiros índios, fato flagrante no caso da Raposa Serra do Sol.

Quatro reportagens me levaram a esta conclusão:

 1 - A divulgação da participação do CIR na 6ª Sessão do Fórum Permanente da ONU para assuntos indígenas – meia página de jornal que (num momento tenso da decisão da Raposa Serra do Sol) não cita o desejo das outras 6 organizações indígenas daquela área. (anexo 34)

 2 - A divulgação de Jaci Souza (representando o CIR, os indígenas de Roraima, índios do Norte do Brasil) em Bruxelas, França e Itália pedindo apoio para o modelo de demarcação que queria – meia página de jornal (às vésperas da suspensão do julgamento pelo STF) que não cita a disputa com as outras 6 organizações indígenas da Raposa Serra do Sol (nem o desejo delas), mas acompanha (e reforça) manchete de uma nota chamando a atenção para a violência contra índios, onde não fica claro se (na maioria das vezes) ela é praticada pelo próprio índio. Jaci é citado como representante do povo Macuxi e Wapishana e enfatiza a forma como são tratados, há décadas, pelos “não-índios”, dando a entender que os brasileiros são os inimigos, já que não há registro do CIR ter feito a mesma campanha semelhante em nenhum Estado do Brasil para angariando apoio do próprio povo brasileiro. Exceto na praça dos 3 Poderes em Brasília. (anexo 35 ) 

3 - A divulgação mundial da foto de Jaci Souza com o Papa (anexo 36), dando a entender que o Vaticano e a Igreja no Brasil apóiam a causa do CIR (já que é difícil uma audiência particular com o papa), já que não existe foto do Papa com os líderes das outras organizações indígenas da Raposa Serra do Sol. A outra foto de um tuxaua da Raposa Serra do Sol com o Papa (na net) (anexo 37) tem a presença do padre Giorgio Dalben (amigo de Jaci Souza), acusado por índios e “não-índios de ser o mentor de invasões e conflitos na Raposa Serra do Sol. Acusado de ser guerrilheiro. (anexo 37a ) 

4 - O encontro, em Roraima, de Dionito Souza (coordenador do CIR e irmão de Jaci Souza) com o Relator Especial da ONU para Direitos e Liberdades dos Povos Indígenas – quase página inteira de jornal. Neste caso, então, é o próprio representante da ONU que diz na reportagem que não terá “espaço” para ouvir as outras 6 organizações indígenas da Raposa Serra do Sol.

Um pequeno quadrado da página expressa o repúdio das outras organizações por tal exclusão.

Um relator que não tem tempo, ou disposição, para ouvir as partes envolvidas. (?????) (anexo 38) 

A mídia deu muito mais espaço ao CIR, no caso de Roraima. FAB 2068 corrige esta distorção, dando voz à maioria dos índios que queria a interação com a Sociedade Brasileira.

Eles falaram através de Jonas Marcolino.

 Deu voz, também, aos outros envolvidos no processo: produtores rurais, empresários e ao próprio Estado Brasileiro, representado na figura de um comandante das Forças Armadas, estas últimas, responsáveis diretas pela cidadania que é levada a diversas partes da Amazônia, principalmente nos momentos de tensão, de assistência social e de salvamento.

 Os dados que utilizei sobre porcentagem de índios que defendia um tipo ou outro de demarcação, os idiomas falados por uma ou outra etnia e a forma como se desenvolveu a ocupação espacial na reserva, foram retirados da Perícia Federal.

 Afirmam (na ação), que sou contra demarcação. É mentira!

A obra é baseada no relato de liderança indígena (reconhecida nacionalmente), que defende modelo de demarcação semelhante ao da maioria dos índios e da maioria absoluta das organizações indígenas da Raposa Serra do Sol. (anexo 39) É Jonas Marcolino quem afirma ser contra o modelo imposto: 

“Eu acredito que o maior problema que teve na Raposa Serra do Sol é pela nossa resistência, nós indígenas com uma consciência de brasilidade, nacionalista, de patriota, de cidadão brasileiro, nós temos consciência de que o maior patrimônio que a nação tem é o seu povo. E lá, nós sabemos que na Raposa Serra do Sol a maioria das pessoas que estão saindo de lá não foram pessoas intrusas, não foram pessoas que entraram a pouco tempo. Foram pessoas que nasceram lá, a maioria delas. Uns não, mas a maioria daquele povo que está saindo de lá, que estão querendo tirá-los nasceram lá. Então, essa confusão toda que deu a Raposa Serra do Sol, esse embate todo, essa luta toda, é porque nós, um grupo de indígenas, principalmente os ligados à SODIURR – Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima -  nós víamos que a política indigenista do outro lado não permitia realmente de fato a presença de nenhum não-índígena lá dentro. Mas nós sabemos que os não-indígenas que estão lá são nossos compatriotas. Então nós os valorizamos e hoje temos até consciência de que precisamos dessa convivência inter-dependente porque, como falei agora pouco, nós precisamos implementar nas nossas comunidades vários tipos de atividades com instrumentos modernos técnicos, científicos. Até desenvolver várias atividades dessa natureza.

Então isso não nos deixou convictos de que deveríamos lutar contra o não-índio, contra o Estado, contra o município, contra os políticos. Isso é que criou maior complicação entre a Raposa Serra do Sol. Porque de um lado estávamos nós dizendo que o Estado, pelo tamanho da terra, como lá estavam os brasileiros, o Estado poderia assegurar a todos um espaço, considerando que todos são brasileiros. Sem tirar de lá uma pessoa.”

 Este era o impasse na Raposa Serra do Sol, e não a briga de “arrozeiro contra índio” que a mídia destacou. A maioria dos índios procurou se unir aos outros brasileiros de Roraima (produtores rurais, políticos, Governo do Estado) e todos eles acabaram saindo prejudicados, já que a decisão contempla o CIR e seus apoiadores estrangeiros, conforme mostrei nos 4 exemplos anteriores.

E como se não bastasse o desejo de integrarem-se à sociedade brasileira (ao resto dos brasileiros), Jonas Marcolino complementa com denúncias que, também, considerei graves:

 “... essas pessoas não querem que os índios desenvolvam seus conhecimentos, conheçam outro mundo, porque eles não querem às vezes até que eles próprios ocupem os postos que eles ocupam hoje ganhando dinheiro muito fácil trabalhando para os índios, fazendo projeto para índios. A gente sabe que tem muitos que sobrevivem disso. Se tiver o indígena quanto mais isolado, mais nós temos chance de fazer projetos e eles não sabem de nada, não conhecem nada, não fiscalizam nada, e se puder deixá-los assim nós vamos viver muito tempo assim, usufruindo de algumas coisas boas, até do dinheiro próprio deles, né. A gente sabe que usam. Muitos indigenistas sobrevivem do dinheiro que vem para o índio. Porque o programa é para o índio, mas ele está lá implementando a política, ele é beneficiado com aquele dinheiro. Existe uma série de fatores que não permite que os índios... Principalmente essa maneira deles estarem angariando recursos até no exterior com muito mais facilidade, e os indígenas lá, sem saber de absolutamente nada, carecendo de todo apoio, de toda assistência. Tudo em nome do índio.”

 Deturpar minhas palavras fazendo crer que meu trabalho macula, enxovalha, difama e injuria a imagem dos povos indígenas é um artifício para censurá-lo e camuflar a influência de organizações indígenas como o CIR – Conselho Indígena de Roraima - na condução do processo que caracterizei como “farra das demarcações por não obedecerem a procedimentos legais, contrariar a maioria dos índios, a maioria dos civilizados, prejudicar economicamente um Estado da Federação e por em risco o futuro do Brasil ao fragmentar seu povo e suas riquezas. Assim disse:

 “E quando a farra das demarcações acabar, o que terá sobrado para o resto de nós brasileiros, que somos não-índios, não-brancos (termo suprimido pelo procurador da república), não-negros... que somos a maioria da população do País?”

 Pergunto em nome da maioria da população (os mestiços) do Brasil, cujos colégios ensinam que somos iguais e temos os mesmos direitos. Cujas igrejas ensinam que somos irmãos. Cujos Princípios Fundamentais da Constituição objetivam reduzir as desigualdades regionais e sociais, e promover o bem de todos. Não foi isto que encontrei em Roraima.

 A Perícia Federal comprovou a parcialidade do processo a favor do CIR e os artifícios usados.

FAB 2068 mostrou, e o ministro Marco Aurélio, do STF, também mostrou (ao vivo), que não se poderia chegar a um resultado justo se o processo da homologação da Raposa Serra do Sol não fosse saneado, já que “falhas” e “atropelos” beneficiaram apenas o CIR, inclusive na assinatura de Placas Federais. (anexo 40)

  E perdoe-me por não identificar a inverdade ou calúnia contida no trecho:

 “Locais onde nós, brasileiros como os índios que nascem ali, não temos permissão para entrar. Locais onde brasileiros rotulados índios são confinados à precariedade da vida tribal sob a tutela da FUNAI, que demarca as terras no Brasil em parceria com a Alemanha, o Banco Mundial e as Ongs. Faz sentido para você?”

 Penso não ter faltado com respeito a ninguém ao divulgar o decreto nº 1.671.

Não menti ao afirmar que a FUNAI é tutora dos índios.

Não menti ao afirmar que a vida tribal foi imposta à maioria dos índios da Raposa Serra do Sol.

E re-afirmo que a vida tribal é precária. Em terra indígena não há hospital, não há transporte regular, não há segurança, não há comunicação, não há combustível, não há onde conseguir um agasalho ou uma ferramenta, o alimento é insuficiente, a maioria é privada de energia elétrica, morre-se de beribéri (um absurdo)... (anexo 41) Reclamações dos próprios índios, pessoas que ainda precisam percorrer distancias enormes (geralmente a pé) para conseguir sal, sabão ou fósforo.

Brasileiros índios, insatisfeitos e magoados com seu País. (anexos 42)

 FAB 2068 não incita brasileiros a reagirem contra demarcações de terras indígenas, como afirma o procurador da república Leandro Antunes, mas incita brasileiros a prestarem atenção ao que está acontecendo aos brasileiros (índios inclusos) na Amazônia.

Nas falas de Jonas Marcolino, FAB 2068 mostra que os índios estão passando necessidades, foram engolidos num processo que não queriam e precisam de ajuda, mesmo os que receberam enormes reservas, 10 anos atrás, como os Ianomamis. Eles precisam da ajuda dos irmãos brasileiros, a exemplo dos sobreviventes do acidente com C-47 da FAB. Digo isto na frase: 

“Enquanto isto, brasileiros que moram numa das áreas mais lindas e cobiçadas do planeta, a exemplo dos sobreviventes do 2068, continuam resistindo, isolados, ansiosos pela chegada de outros brasileiros para socorre-los.”

 Esta é a mensagem de FAB 2068 - História da Amazônia:

Somos um povo, precisamos ser solidários. Expresso isto na frase:

 “Numa região tão imensa, a união de esforços era mais importante que a ideologia. Em algum ponto da floresta, 7 sobreviventes com fraturas e queimaduras se organizavam para resistir, pois acreditavam, que não seriam abandonados pelo seu País.”

 Encontrei esta situação em Roraima e me deparei com os sobreviventes: milhares de pessoas que ansiavam por um desfecho racional e justo para a Raposa Serra do Sol.

 FAB 2068 termina por abordar a irracionalidade do processo que prejudicou a maioria dos índios da Raposa Serra do Sol e as injustiças impostas aos brasileiros daquela região, como o próprio Ministro Marco Aurélio falaria em seu voto-vista, nove meses depois.

 Um processo que não trouxe benefício algum à maioria indígena, à maioria dos brasileiros ou ao Brasil, mas que foi levado às últimas conseqüências (gastando-se uma fortuna) para cumprir decisão do Governo e da Justiça Federais que, segundo Jonas Marcolino, agiram sob pressão (de quem?)

“E a gente sabe que a maioria das pessoas que pressionam o país, já ouvimos isso de vários ministros, de todos, inclusive do próprio Presidente da República, que as pressões internacionais é que pesam mais, é que obriga que eles tomem essas decisões como foi tomada.

O próprio Presidente da República nos disse que ele, e não estava só eu com ele, estava o Governador Brigadeiro Otomar de Souza Pinto, Senador Augusto Botelho, Senador Mozarildo Cavalcante, e alguns deputados, doutor Daniel Jeanlupe, tinha várias pessoas quando ele disse:

Em qualquer lugar do mundo que ele passa sempre tem um chefe de estado que bate no ombro dele e diz “senhor presidente quando é que o senhor vai homologar a terra indígena raposa serra do sol.

Então, essa questão de pressões internacionais eu creio que não é bom e a gente têm consciência disso, de que esses países não estão com a política externa deles limitadas apenas aos estados deles mas estão querendo atingir outros rincões, outros territórios. Isso é a luta da humanidade.

E o Brasil eu creio que vai cedendo isso assim gradativamente.”

 Ao se referir à bioprospecção, o sociólogo da UNB ressalta a desinformação da população, a corrupção nas elites brasileiras e a responsabilidade de cada um para com o seu País, nos seguintes trechos, respectivamente:

 “Nós estamos num momento em que se delineiam alguns conceitos importantes como o de biodiplomacia que passa a envolver grandes grupos, Estados, ongs, comunidades indígenas, grupos de consumidores em torno do modo como se deve explorar, nesse sentido de investigar os recursos disponíveis nessas reservas de biodiversidade, e a Amazônia é um espaço privilegiado, como explorar e como compartilhar esses benefícios. Isso implica muita negociação, mas, sobretudo, primeiro, informação a respeito do que está acontecendo. Quais são os vários lados dessa questão que podem atingir a, b, c, ou d. Para não ficarmos reféns, nem do que um cientista ou de um grande industrial acha, tampouco do que um grupo refratário a qualquer exploração da biodiversidade, entende?E aí decidirmos o que é melhor. Mas o chavão, a linguagem forte, o ambiente dogmático, ainda predomina essa discussão... Eu entendo que isso talvez seja uma das razões porque ainda não saímos muito do lugar com relação a isso. Porque há interesses, há recursos, mas a sociedade grosso modo não sabe, então não participa dessa discussão... Enfim.”

 “Nós sabemos que as razões históricas elas criam estruturas que vão se consolidando. E o Brasil é uma sociedade muito segmentada, muito dividida. E que talvez as suas elites não tenham assumido um papel mais responsável. Não generalizando, mas assumiram um papel, desde as capitanias hereditárias, de espólio, de espoliação, de retirada. Então, eu defendo que, sejam reitores, sejam professores, sejam pais de famílias, sejam sacerdotes, pastores, pessoas que ali dispõem de informações, qualidades, independente de não ser o que eu, ou o que você, ou o que outra pessoa gostasse que viesse a acontecer, eles não podem se omitir do papel de denunciar o que está errado, de apontar novos caminhos, de dizer: olha não é sempre assim, não deve ser sempre assim.

Particularmente, no presente momento, eu entendo que nós, a sociedade brasileira, não podemos achar natural a impunidade, não achamos! Mas precisamos mobilizar aqueles responsáveis, mobilizar a sociedade, seja na esfera na sua atuação em sala de aula, numa universidade, em qualquer ambiente. Mobilizar e dizer está errado. A corrupção é um erro.”

 “Porque são determinadas pessoas ou personalidades por atributos reconhecíveis como importantes pela sociedade, que adquirem em determinados momentos na história um papel crucial, a exemplo de Roosevelt. Nós poderíamos dar vários outros exemplos. A exemplo de Mandela, a exemplo de Gandhi. Então, quando a sociedade parece que está estagnada ou vai naquela rotina que nada mais nos assusta, nos impressiona, nos assombra... A gente pergunta:

Isso não vai dar em quê? Isso vai dar em nada se alguns corajosos, se algumas pessoas devotadas, generosas, não assumirem a sua cota de responsabilidade.”

 Estas falas do sociólogo da UNB em conjunto com a seguinte fala final de Jonas Marcolino,

 “Eu acho que o princípio da universalidade deve prevalecer, que é o princípio pelo qual todos do mesmo todo são sujeito ou beneficiários de tudo aquilo que é previsto para o todo. Por isso, se o branco sofrer aí é que o índio pode sofrer. Mas se o branco só não sofre e o índio tem que sofrer eu não concordo com isso. Se todos têm que sofrer, têm que sofrer por igual.

É o princípio da universalidade prevalecendo em tudo para mim.

Essa é a idéia. Muito obrigado!” 

me levaram a concluir que as decisões que estão sendo tomadas na Amazônia não estão beneficiando nem o povo brasileiro (índios incluídos) e nem o Brasil.

 Como podem me acusar de ser contra índios ou demarcações se passei 4 anos da minha vida, gastando dinheiro do meu bolso, me arriscando, filmando e criando um momento apoteótico de final de longa-metragem, para que uma liderança indígena reconhecida nacionalmente pudesse enviar a seguinte mensagem ao seu País: 

Eu acho que o princípio da universalidade deve prevalecer, que é o princípio pelo qual todos do mesmo todo são sujeito ou beneficiários de tudo aquilo que é previsto para o todo. Por isso, se o branco sofrer aí é que o índio pode sofrer. Mas se o branco só não sofre e o índio tem que sofrer eu não concordo com isso. Se todos têm que sofrer, têm que sofrer por igual.

É o princípio da universalidade prevalecendo em tudo para mim.

Essa é a idéia. Muito obrigado!”

 Ao falar esta frase, o líder Macuxí Jonas Marcolino estava satisfeito por ter comunicado a mensagem de milhares de parentes, que é a forma como os índios se tratam.

Se formos buscar nossas raízes no Brasil, veremos que, em algum ponto, somos todos parentes, ou poderemos vir a ser. Natural, após 500 anos de miscigenação...

 Como puderam deturpar minha obra e minha conduta profissional utilizando fragmentos para denegrir meu trabalho e meu objetivo?

 Bom, já vi isto acontecer analisando os documentos do processo da Raposa Serra do Sol, motivo pelo qual iniciei meu relato me sentindo prejudicado, e já condenado, pela perícia antropológica e pela ótica do procurador da república.

 O pré-encerramento, logo a seguir à fala final de Jonas Marcolino, foi considerado outra aberração pelo perito antropológico e pelo procurador da república:

 “A Venezuela vive da grana do petróleo. Só que no subsolo não tem muro dividindo. E como estamos bem ao lado e somos maiores, é provável que aqui embaixo tenha até mais petróleo do que lá. Mas enquanto o poço vai secando, nem exploramos, nem protegemos nossas riquezas. Sacrificamos nosso povo. Em nome do índio, do meio ambiente e da corrupção. Reage amigo.”

 E neste momento, mostro um artigo do então Senador Jéfferson Péres com o título “Amazônia: Hora de Reagir” (anexo 43), acompanhado de trechos, declamados, de 2 hinos brasileiros e a estrofe de uma conhecida oração da Amazônia.

Em nome do índio, a tropa nacional ocupou Roraima, invadiu (sem mandado) propriedades dos “não-índios” (anexos 44) e agrediu os índios contrários ao CIR em diversos conflitos na vila Surumu (anexo 45), na Raposa Serra do Sol. Mas a mesma tropa federal não desfez bloqueios ilegais de estradas do CIR (anexos 46 e 47). Fatos mostrados na imprensa. Uma operação que custou, ao longo de anos, milhões de reais do dinheiro público (anexo 48) que poderiam ter sido utilizados na melhoria da vida daquele povo, daquele Estado, ou no pagamento de indenizações justas aos que foram “desintrusados”, expulsos do local construído e cuidado por seus pais e avós. (Na avaliação da FUNAI, um transformador de luz de 10 kva, que custa mais de R$ 1.700,00, vale R$ 32,80 - anexo 49 e 50)

 Em nome do meio ambiente, a imprensa noticia a quebra de braços entre ministérios, reduzindo a produção de alimentos para o brasileiro e para o mundo, a exemplo do que aconteceu nos lavrados naturais de Roraima. Produtores multados em milhões de reais por produzirem alimentos onde só crescia capim, caimbés e cupinzeiros. (anexo 51 e 52)

 O brasileiro se tornou refém do “Ambientalismo/Indigenismo”, processo que está mais adiantado no Peru conforme mortes recentes (anexo ), e na Bolívia, onde tribunais indígenas condenam pessoas a serem chicoteadas em praça pública por se manifestarem contra o Governo, como mostrou reportagem de Veja. (anexo 53)

Isto não combina com a democracia ensinada nos colégios e universidades do Brasil. 

O brasileiro se tornou refém, também, de autoridades que implantam políticas nefastas e fazem acordos suspeitos (anexo 54), e meu povo tem sido sacrificado por tudo isso.

É o que expresso no trecho: 

“Sacrificamos nosso povo. Em nome do índio, do meio ambiente e da corrupção. Reage amigo!”

 Os termos índio e meio ambiente são sempre notícia, são sempre urgentes, são sempre imperativos. FAB 2068 procurou mostrar que o povo brasileiro também é importante e que tem poder. O poder de influenciar no próprio destino, decidir que futuro quer para seu País e que, independente de nos chamarem índio, negro, gaúcho... ou carioca, somos 1 povo. O povo brasileiro. UMA Nação.

 E para isto, procurei ouvir pessoas que representavam diferentes pontos de vistas e tinham relação com a história:

Renam Freitas Pinto – Sociólogo da UFAM;

Michelangelo Giotto – Sociólogo da UNB;

Cláudio Figueiredo – General que visitou e comandou todos os Pelotões de Fronteira da Amazônia por 3 anos;

Dionito Souza – Coordenador do CIR - não quis falar sobre o assunto.

Paulo César Quartiero – Produtor de Roraima evidenciado na mídia nacional, preso pela Polícia Federal

Celina Cardoso - índia macuxi que teve a propriedade invadida e a família ameaçada pelo CIR

Jaci Souza – líder Macuxi, não quis falar sobre o assunto e nem sobre o envolvimento do seu nome na Perícia Federal

Jonas Marcolino – líder indígena Macuxi, já foi tuxaua e defendia o mesmo que a maioria dos índios

Raimundo Curica – Produtor com título definitivo, casado com índia macuxi e pressionado a sair pelo CIR;

Antônio Moreira Silva – Produtor assentado pelo INCRA em 1970 e “desintrusado” pela FUNAI em 1998;

 Penso ter feito minha parte como comunicador social.

Agi com ética e seriedade ao tratar de um grave problema nacional, embasando-me em documentos, dedicando-me à pesquisa de registros em bibliotecas e na imprensa, viagens a outros Estados e colhendo depoimentos de pessoas fidedignas envolvidas no processo.

Ao tratar de assunto tão polêmico em busca da verdade, certamente contrariei interesses daqueles que querem “blindar a questão”, mas não contrariei povos indígenas, já que FAB 2068 mostra que índios e “não-índios” estão sendo injustiçados, precisam de assistência, de ajuda e de respeito, como mostra esta fala de Jonas Marcolino, que FAB 2068 possibilita chegar até o povo brasileiro:

 “Só traz prejuízo para o próprio Estado brasileiro porque a gente sabe que na região, ou no Brasil inteiro tem muita gente passando necessidade, morrendo de fome, sem teto, sem casa, sem nada, e o Estado está contribuindo para isso. Tiram as pessoas que habitam lá há 60, 70, 80 anos e não dá uma casa digna para eles. E indeniza por 700 alguns, 1.000, 2.000 reais que não vai dar absolutamente para nada. Eles não estão conseguindo olhar isso com perspicácia, vê que o ser humano é dotado de espírito, alma e corpo, de inteligência, que ele ama a região, aprendeu a amar aquele solo, aquele rio, o túmulo dos seus antepassados que lá está. Enfim, as pessoas estão ferindo direitos de pessoas, de cidadãos brasileiros, que não existe dinheiro para reparar esse dano. Eu creio que o Estado brasileiro está sendo muito desumano com seu próprio povo, com seu próprio patrimônio, que é o povo, que deveria receber mais estímulo, mais apoio, mais assistência em todos os aspectos, é ignorado tudo, tem que sair porque lá tem índios. Como se índios não fossem pessoas também com ideais.”

 Isto é realidade. Está acontecendo. Eu filmei e pretendo mostrar num próximo trabalho.

Agi de boa fé, agi em prol da maioria dos índios da Raposa Serra do Sol (e dos Ianomâmis) ao questionar fatos na busca de soluções e justiça. Agi em prol do futuro do meu Brasil e do meu povo.

Penso ter honrado a missão do comunicador social. Não mereço ser punido. 

Mas caso o seja, calarão minha voz, pois investi tudo o que tinha nesta história e não teria chance alguma num embate judicial contra um perito e um procurador da república que falam a mesma língua do CIR, e por isso não conseguem ouvir o que a maioria dos índios falou em FAB 2068.

Já vi acontecer. Acompanhei o processo e a desintrusão. A injustiça está institucionalizada.

Coloco-me em suas mãos.

 

Com respeito

Luiz Ribeiro Margarido

Autor, produtor e diretor de FAB 2068 – História da Amazônia


Relação dos 60 anexos à defesa

 

 

ANEXO 1 – Imagem do ataque Caiapó ao Engenheiro da Eletronorte

ANEXO 2 – decreto 1.671 de 11 de outubro de 1995

ANEXO 3 – Imagem Capa do Livro HISTÓRIA DA REDE AMAZÔNICA

ANEXO 4 – Imagem Página 127 do Livro HISTÓRIA DA REDE AMAZÔNICA

ANEXO 5 – Manchete Bispos são Jurados de Morte

ANEXO 6 – Manchete Pressão Internacional para Ocupar a Amazônia

ANEXO 7 – Manchete Moradores Devem Mostrar Título Definitivo de Terra

ANEXO 8 – Manchete Área Aumentava até em 36 Vezes

ANEXO 9 – Manchete Empresas Estrangeiras Controlam 39,9% da Amazônia Legal

ANEXO 10 – Vídeo do encontro com Dionito Souza do CIR

ANEXO 11 – Foto Idaiel Lima em Camararem na Raposa Serra do Sol

ANEXO 12 – Manchete CIR Promete Ocupar Terra, Independente de Decisão do STF

ANEXO 13 – Manchete CIR Afirma: Queremos Ausência Total de Invasores

ANEXO 14 – Manchete Mitterrand Apóia Causa Indígena de Roraima

ANEXO 15 – Manchete Índios Brasileiros Relatam Situação no Fórum da ONU

ANEXO 16 – Manchete CIR: Índios Foram Enganados por Arrozeiros

ANEXO 17 – Manchete Índios Macuxi Pedirão ao Presidente Lula... (Jaci Souza na foto)

ANEXO 18 – Manchete Indígenas iniciam Protesto em frente ao Palácio do Planalto

ANEXO 19 – Manchetes Clima fica Tenso na Raposa Serra do Sol e CIR nega Acusações...

ANEXO 20 – Manchete Índios acampam em frente ao Congresso e cobram Homologação até...

ANEXO 21 – Manchetes Índios fecham Rodovia e ferem Militar e PF prende índios por...

ANEXO 22 – Foto carro atingido por flecha

ANEXO 23 – Foto militar atingido por flecha

ANEXO 24 - Manchete CIR Promete Ocupar Terra, Independente de Decisão do STF (anexo 12)

ANEXO 25 – Manchete Arrozeiros ainda não foram Indenizados na Raposa

ANEXO 26 – Manchete Produtor reclama que não foi Indenizado

ANEXO 27 – Manchete Produtor reclama que não recebeu apoio

ANEXO 28 – Foto Família Hart de Normandia com o desdor Jirair Megueriam durante desintrusão

ANEXO 29 – Vídeo do local para a Família Hart se transferiu após desintrusão

ANEXO 30 – Vídeo Família Hart descarregando caminhão e patriarca dos Hart desolado

ANEXO 31 – Foto “moradia” dos Hart após desintrusão enquanto aguardam re-assentamento

ANEXO 32 – Vídeo entrevista Bernardo Cabral CPI das Ongs

ANEXO 33 – Vídeo entrevista Bernardo Cabral sobre Raposa Serra do Sol

ANEXO 34 – Manchete Índios Brasileiros Relatam Situação no Fórum da ONU (anexo 15)

ANEXO 35 – Manchete Mitterrand Apóia Causa Indígena de Roraima e Violência Sexual

ANEXO 36 – Foto Jaci Souza com o Papa

ANEXO 37 – Foto Tuxaua Terêncio e padre Giorgio Dalben com o Papa

ANEXO 38 – Manchete Visita da ONU: Relator diz que não faz pressão ao STF

ANEXO 39 – Manchete Índios contrários à Homologação Protestam

ANEXO 40 – Foto Placa Federal assinada por FUNAI e CIR

ANEXO 41 – Vídeo Médica responsável pelo Posto de Saúde do Uiramutã relata surto de beribéri

ANEXO 42 – Vídeo Desabafo da índia macuxi Celina Cardoso (entrevistada de FAB 2068)

ANEXO 43 – Artigo de jornal Amazônia: é Hora de Reagir (autor senador Jefferson Peres)

ANEXO 44 – Manchete Índios voltam a fechar Transarrozeira (10-5-08)

ANEXO 45 – Manchete Índios insistem em bloqueio de Estrada (14-5-08)

ANEXO 46 – Manchete PF e FUNAI recebem 60 milhões para Operação

ANEXO 47 – Vídeo PF invadindo fazendas na Raposa Serra do Sol sem mandado

ANEXO 48 – Vídeo PF agredindo índios contrários ao CIR na Vila Surumu

ANEXO 49 – Laudo de Avaliação da Fazenda Manga Braba da Família Hart (1)

ANEXO 50 – Laudo de Avaliação da Fazenda Manga Braba da Família Hart (2)

ANEXO 51 – Foto divisa Terra Indígena São Marcos e Raposa Serra do Sol (capim e caimbés)

ANEXO 52 – Foto divisa Terra Indígena São Marcos e Raposa Serra do Sol (plantação de arroz)

ANEXO 53 – Reportagem páginas amarelas revista Veja edição 2017 de 8-4-09

ANEXO 54 – Manchete Um Bilhão foi o dinheiro desviado do País em 4 anos